terça-feira, 9 de junho de 2015

Ser criminoso é uma questão moral?



O que leva ao indivíduo, vivendo em sociedade, a delinquir? Romper o pacto social estabelecido? Essa é uma das maiores questões, senão a maior, da criminologia. Ou seja, quais são os fatores que contribuem para a formação de um criminoso? A culpa é da sociedade? O criminoso já nasce assim? Enfim, muitas perguntas, as quais são dificílimas de responder, mas nem por isso, deixam de nos intrigar.

Sabemos que o Brasil é um dos lugares com maior desigualdade social - fato que levou o economista Edmar Lisboa Rocha a chamar o Brasil de Belíndia, uma vez que há pessoas vivendo em condições similares à Bélgica e tantos outros sobrevivendo com o padrão de vida da Índia. Esse comentário feito em 1974, ou seja, em plena ditadura militar, contrastava uma sociedade dividida, mas passados 40 anos, a situação continua a mesma.

A ditadura transformou-se em democracia, contudo, passamos apenas a escolher os saqueadores. Faltam investimentos e boa gestão do bem público, sobretudo, em um ponto fundamental: a educação. Em tempos em que se discute a redução da maioridade penal, vemos professores apanhando - o que é um enorme contrassenso. O descaso com a educação é nítido, sendo assim, podemos afirmar que a criminalidade é um fenômeno puramente social?

Embora, a questão seja complexa, não acredito que a criminalidade seja culpa apenas da sociedade. Como disse, a desigualdade é um traço forte da nossa nação, a qual faz com que milhões de pessoas vivam a margem da sociedade; ademais, há ainda o bombardeio da mídia que vende o seu kit de felicidade (mas só para quem pode pagar). Os pobres, assim, não têm direito a participar da felicidade do capital, assim como não contam com o Estado, que preocupa-se apenas em se fortalecer e não cumprir a suas atribuições.

O "indiano" brasileiro vê-se num cenário em que ele não é enxergado pela sociedade, sobretudo, o jovem, em geral cheios de sonhos, que muitas vezes são mais difíceis em função da vulnerabilidade sócio-econômica. O dominado, desse modo, passa a alimentar o desejo de ser dominante, e essa mudança hierárquica de poder, em geral, vem por meio da criminalidade.

Contudo, apesar de todos os problemas supracitados, reside no indivíduo a liberdade para deliberar sobre o que fazer, isto é, a moral. A moral é o esforço que fazemos o tempo inteiro para escolher o melhor caminho para a nossa vida, quando temos liberdade de escolha na vida, ou seja, o pensamento livre sobre a vida. Portanto, ainda que existam fatores sociais que influenciam na formação do delinquente, há liberdade de escolha (mesmo que pequena) e havendo liberdade, toda decisão será uma decisão moral.

Não quero retirar da sociedade a sua parcela de culpa, mas, se estar em condição de vulnerabilidade sócio-econômica fosse condição suficiente para a criminalidade, todos que estão nessa condição (e não são poucos) tornariam-se criminosos, e isso não é verdade. A de se reconhecer os fatores sociais - como falei - porém, não se pode excluir a responsabilidade do delinquente, mesmo quando jovem, pois, apesar das dificuldades, há casos de pessoas nessa condição que mudam suas vidas através de outros meios, como os estudos, o esporte, a música e a arte.

A criminalidade é apenas o meio mais fácil de "melhorar de vida", e sabemos que um dos princípios atuais do capital é - felicidade por facilidade. Quanto mais fácil melhor. Desse modo, o desejo que tenho de participar da "orgia do consumo" me leva a transgredir o contrato social e fazer com que o meu eu sobreponha-se ao outro, a fim de que possa realizar o que quero. Isto é, a moral do delinquente destina-se somente a expansão da sua potência, embora pudesse e devesse tomar outra atitude.

O Estado falha ao não dar os subsídios necessários a formação de bons cidadãos, capazes de contribuir para o bem comum, e falha ao quero punir de forma errônea um mal que ele próprio contribuiu para que existisse. O Estado, assim, deve ser responsabilizado por aquilo que faz e, principalmente, não faz. Mas não deve-se criar uma vitimização em torno do delinquente, pois este, como já dito, tem a possibilidade de decidir moralmente em não ser um criminoso e tentar melhorar a sua condição por outros meios.

Vitimizar o criminoso, assim como reduzir a maioridade penal não resolvem o problema, pelo contrário, retroalimentam o crime. De um lado, um torna o indivíduo acima do bem e do mal - podendo torna-se, inclusive  criminoso, por estar em condição de vulnerabilidade; do outro, transforma batedores de carteira em chefes do tráfico.

É preciso discutir o tema sem extremismos e determinismos. O indivíduo que se encontra em condição de vulnerabilidade social deve ser visto em sua totalidade, isto é, com todos os empecilhos que o são impostos para que possa ser um bom cidadão, de tal modo que cobremos do Estado o cumprimento das suas atribuições. Contudo, devemos levar em consideração que existem outros fatores que levam a delinquência, uma vez que muitos "bem nascidos" cometem crimes, assim como os crimes de colarinho branco (que muitas vezes não são etiquetados como crime).

Desse modo, há uma série de fatores que podem levar o indivíduo a delinquir, mas tratando do recorte principal do texto - jovens em vulnerabilidade social/pobres - a de se reconhecer que estes são excluídos pelo Estado e pela sociedade burguesa, mas ao entrar na criminalidade, eles buscam apenas um meio de também participar do consumismo. 

Esses jovens buscam através da criminalidade o empoderamento, sem importar-se se do outro lado também existem pessoas que sofrem com o crime. De fato existem fatores que influenciam na criminalidade, todavia, reside em cada um, em última instância, a possibilidade de escolha, a qual chama-se moral. Assim, se entro no mundo do crime a fim de uma melhoria sócio-econômica, é uma escolha, pois poderia ter essa transformação por meio dos estudos, da cultura, do esporte, como já disse.

É urgente a formação de fóruns que discutam política criminal, buscando resolver o problema a fundo, pois como diz a letra da música - "A criminalidade toma conta da cidade" - e o medo cria o seu império (apesar disso ser interessante para alguns poderosos). Assim, estamos submetidos ao medo, ao crime e à violência. E:
"A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota."

4 comentários:

  1. Entendo que pra quem não tem acesso a educação de qualidade e passa boa parte do dia na rua, ou convivendo com cenas de crime, entre para esse mundo. Não estou dizendo que a pessoa não tem culpa, mas que é uma situação compreensível. Quando até o lazer da criança precisa ser pago, pois não há uma simples praça bem cuidada para que ela possa se divertir, fica complicado não se envolver com usuários de drogas e/ou criminosos. O atual governo diz que redução da maioridade penal não é a solução, que o correto é dar educação. Mas quando entraram no governo, há 12 anos atrás, esse jovem que hoje tem 16, era uma criança de 4 anos. Então, por que foi que ela não recebeu educação, hein? Muitas vidas são perdidas e muitas mentes brilhantes não são aproveitadas por causa da falta de investimento em educação, segurança e lazer/cultura. E nas regiões menos desenvolvidas do nosso país esse quadro é ainda pior.

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  2. Concordo com você, é uma quadro muito propício ao desenvolvimento da criminalidade, uma vez que o Estado não cumpre com as suas atribuições e de outro estamos submetidos ao hedonismo da sociedade de consumo. Forma-se uma situação favorável a criminalidade, como também a manutenção do Estado, pois a violência é uma condição de existência do Estado e, portanto, se fosse realmente combatida, essa condição seria retirada, o que não deve ser interessante para os poderosos que saqueiam o país.

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  3. Dificílimo contabilizar todas as razões da criminalidade no Brasil. Primeiramente acho que a cultura da injustiça social foi se enraizando a tal ponto,desde o império, que nos acostumamos e nada mais é visto com indignação, porque nos adaptamos e nos acostumamos com tudo isso que vemos por aí. Desde os pobres ou inocentes e os culpados, os pobres, que são a maioria, que vão presos e não tem dinheiro para pagar a defesa, ficam ali nas masmorras deste Brasil, como verdadeiro lixo humano. Nosso sistema jurídico, juntamente com nossos poderes executivo e legislativo, se preocupam somente com os seus interesses corporativistas. E o jovem de hoje não é o jovem de ontem que aceitava tudo, entregando suas vidas nas mãos de um Deus que nunca agia. E a revolta, unida com a impunidade, faz o caldeirão da violência brasileira ser a quinta do mundo. E porque a impunidade? Por que aos agentes do estado, todo o sistema elitista da administração estatal, não interessa mudar o status quo, porque não é interessante para estas oligarquias ou elites burras que também pagam o preço da nossa não liberdade. Também do nosso medo e perdem assim para a violência parentes e amigos, embora vivam encastelados ou vivendo a mesma tensão dos demais. O dinheiro da saúde e educação do nosso povo vai para o bolso de tal elite, que guarda o dinheiro na Suiça como segurança, dinheiro que nem será usado às vezes, mas será lucro dos banqueiros. E assim la nave vá... Que o diga a Operação Lava Jato, Zelotes e etc. etc. etc.

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    1. Concordo Borges, realmente é difícil trabalhar essa temática, mas é preciso que discutamos, afinal, somente, dessa forma conseguiremos avançar. Há outro texto no blog relacionando essa temática com as ideias de Foucault, se quiser ler, é um bom paralelo para a discussão.
      Abraços meu caro!

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