Thoreau disse no século dezenove: “Nunca é tarde
para abrirmos mão dos nossos preconceitos”. Passados quase duzentos anos, ainda
continuamos sendo preconceituosos, de tal modo que esse tarde parece estar
ficando longe demais. Nós, contemporâneos, achamo-nos muito evoluídos em relação
aos nossos antepassados, como se esta época fosse melhor do que outras. Mas a
verdade é que não. Não somos melhores e diria que dada certas circunstâncias,
somos até piores.
Antes de continuar é preciso esclarecer que não há
saudosismo, cada período histórico tem suas vicissitudes. No entanto, nunca
houve na história condições para uma sociedade mais justa e igualitária e é
justamente quando existem essas ferramentas que vemos mais desigualdade e discriminação.
Parece que estamos anestesiados, de modo que não percebemos o mal que fazemos a
outros seres humanos iguais a nós.
Como pode um ser humano querer subjugar outro
apenas pela sua cor de pele? Ah! Lembrei-me. O ser humano é capaz de destroçar
outro tão somente para sentir-se melhor em sua vida miserável. A tolice de
certos homens realmente é lastimável, pois a sua vida, na verdade, em nada
melhora atingindo negativamente outro ser humano que também chora e tem emoções.
Será que o caminho inverso, com carinho e um tratamento fraterno não faria a
vida de todos melhor? Ou será que existem homens acima do bem e do mal, os
quais jamais podem sair da sua condição divina?
Lenio Streck diz em sua Hermenêutica Jurídica em Crise que - "[...] ex-escravos continuam pobres, pobres não tem
direito e são demais". Aqui se encontra outra raiz do ódio, o
preconceito social. Na sociedade de consumo, aqueles que não podem consumir não
existem. Ou seja, não possuem valor algum e, assim, devem ser tratados como
tal, um lixo da sociedade. Desse modo, o negro que deixou de ser escravo, mas
foi jogado na sarjeta, não pode hoje ser outra coisa que não uma peça fora da
engrenagem. Todavia, uma engrenagem que funciona dessa forma, é melhor mesmo
ser uma peça avulsa.
O grande problema é que nem como peça avulsa, os
preconceituosos são capazes de demonstrar respeito. Em suas conversinhas “sofisticadas”
sempre tratam de falar mal da classe “suja”. E não adianta gritar e pedir
socorro à carta magna, pois os direitos existem, mas somente para quem têm meios
(leia-se dinheiro) para buscá-los. Outra coisa, não pensem que ser "branco" é o
suficiente para fazer parte do banquete real. Se se é pobre, automaticamente
torna-se negro e, portanto, incapaz de ser digno de respeito e amor. Pergunto-me
o quão óbvio é chamar um homem branco de negro, afinal, somos brasileiros,
frutos de miscigenações, além do que, ser descendente de um negro, que foi
escravo e honesto é muito mais digno que ser descendente de um europeu
preconceituoso, desonesto e desumano.
Por falar no velho mundo, como não se lembrar dos
migrantes sírios? E do menino Alan? E na tragédia parisiense? Tudo por política, religião, poder? Sim. Poderia jogar tudo isso num caldeirão
e acrescentar doses de preconceito, fundamentalismo e etnocentrismo. Ninguém é
melhor por acreditar nesta ou naquela religião, neste ou naquele deus ou,
simplesmente, não acreditar. Tampouco, por ser deste ou daquele lugar do mundo, por
ser do norte ou do sul. Entretanto, o ser humano parece continuar desprovido da
capacidade de entender o que significa a palavra difusão cultural e olhar o
outro não como melhor ou pior, mas, apenas como diferente. Lembrando
Saramago, parece que ainda estar por nascer o primeiro ser humano desprovido
daquela segunda pele chamada egoísmo.
Egoísmo é o que melhor define aqueles que querem
impor suas cosmovisões para os outros. Ser gay ou não ser gay? Eis a questão? Não,
esqueçam as interrogações. Cada uma faz da sua vida o que quer. Achar errado,
tudo bem, há esse direito, desde que não seja desrespeitoso. Da mesma maneira,
que o indivíduo que é gay não precisa/deve se esconder por isso. Tenho a impressão
que certas pessoas acham que se dois homens andarem de mãos dadas no shopping,
automaticamente se desencadeará a terceira guerra mundial. Diria que lhe falta
um pouco de leitura histórica. Mas também, em que muda um homem ser evangélico,
por exemplo, e ser convicto que o homossexualismo é errado/pecado (pleonasmo?)?
Nada. Se ambos os posicionamentos se respeitarem, ótimo, a humanidade inteira
nunca pensará igual. O importante é que sejamos capazes de conviver de forma
pacífica e permitamos o outro próximo de nós, ainda que tenhamos visões de
mundo distintas.
As análises dos preconceitos supracitados, de
forma totalmente superficial, não visam esclarecer tais pontos ou ir mais a
fundo, mas apenas mostrar o quão distantes estamos do tarde que Thoreau
falou. Mais que isso, estamos distantes e com um discurso oposto, encharcado de
globalização, de aproximação e de uma rede infinita de amigos. Todavia, somente
um cego alienado não enxerga o quão falso é esse discurso. Mas, como sou apenas
um e não estou entre os poderosos, o discurso dominante ainda falará de forma
até lírica, diria, sobre a grandiosa e bela globalização que aproxima o mundo. E
eu, respeitando a minha insignificância, continuarei vivendo, como diz Bauman,
no globalizado mundo das diásporas.
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