George W. Bush batizou
a guerra contra o terrorismo de “Guerra ao Terror”. O terror obviamente exposto
por Bush (e pelo ocidente) refere-se aos bárbaros do oriente médio. No entanto,
apesar da cultura islâmica ser, de maneira geral, demonizada pelo ocidente,
parece-me estranho que ela seja a religião que mais cresce no mundo. A despeito
disso, uma análise desprovida de preconceitos é altamente pontual.
O crescimento da
religião é dada, sobretudo, pela aderência de jovens e curiosamente, vejam só,
europeus. Os grupos terroristas têm seduzido com enorme facilidade os jovens
ocidentais, os quais passam a fazer parte dessas engrenagens. O exposto fica
muito nítido no documentário francês “Engrenagem”, que relata o recrutamento de
jovens europeus e a facilidade com que estes se tornam parte dos grupos
terroristas.
Antes de prosseguir,
ressalto que o Islã é uma religião e em nada tem a ver com o terrorismo, no
entanto, no documentário fica claro como os jovens aceitam a união entre as
duas coisas totalmente antagônicas que lhes são passadas. Ou seja, como eles
internalizam a mensagem fundamentalista dos grupos terroristas. O cerne da
questão é perceber qual a raiz que leva esses jovens ocidentais a partilharem
uma cosmovisão tão distinta da que vivem.
A visão ocidental,
quase sempre, tende a construir um estereótipo da cultura muçulmana. Desse
modo, perdem tempo focando em questões extrínsecas e deixam de analisar os
problemas que têm feito jovens ocidentais aderirem grupos terroristas. Os
jovens recrutados são deslocados e excluídos dos círculos sociais, seja da
família, da escola ou do trabalho. Por não se comportarem segundo a cartilha
ocidental, são vistos como inadequados sociais e passam a maior parte do tempo
sozinhos. O refúgio acaba sendo a internet e é por meio da rede que os grupos
terroristas recrutam esses jovens. Como os jovens são excluídos passam mais
tempo na internet, o que facilita a ação dos grupos terroristas.
Dito de outro modo, o
estilo de vida ocidental, pautado sobre o egoísmo e o individualismo cria
relações vazias (líquidas como diz Bauman) e ilhas afetivas, nas quais esses
jovens estão isolados e tornam-se altamente vulneráveis a ações ideológicas,
como o dos grupos terroristas.
Outro ponto importante
relaciona-se ao etnocentrismo. Nesse prisma, gostaria de fazer um recorte sobre
a Europa, especialmente, sobre a França. Foi na França que surgiu o positivismo
com Comte, pensamento o qual entendia que na sociedade existiam pontos de maior
e menor desenvolvimento. Obviamente, os pontos de maior desenvolvimento eram da
Europa civilizada e os pontos de menor desenvolvimento eram da África, da Ásia
e em certa medida da América.
Esse pensamento
influenciou os pensamentos de Spencer e do darwinismo social, legitimando,
assim, o imperialismo europeu, sob o slogan do “fardo do homem branco” que
dividiu as duas primeiras regiões supracitadas como se estivesse em uma
pizzaria, desrespeitando limites étnicos, geográficos e culturais. Um desses
aspectos imperialistas é o “Tratado Sykes-Picot” que secretamente dividiu
regiões do oriente médio, que à época estavam sob domínio do império
turco-otomano.
Outra questão
importante é a guerra da França na Argélia (1956-1962), a qual repercutiu em Paris
com a morte de mais de 200 argelinos que marchavam contra o massacre que o seu
país sofria, sendo calados pelas balas francesas e jogados no rio Sena. Só mais
uma “coisinha” (eu juro), desde 2010, uma lei francesa proíbe as pessoas de
esconderem o rosto em local público, estabelecendo uma multa de 150 euros para
quem desrespeite. Sendo assim, as mulheres muçulmanas não podem usar a burca em
locais públicos. O governo francês alega que a medida é de segurança e não
religiosa, assim como não se direciona apenas aos muçulmanos. Todavia, para uma
mulher muçulmana sair na rua sem a burca é como sair mostrando os seios. Não
importa se não concordamos ou achamos um exagero, faz parte da cultura islâmica
e os islâmicos sentem-se desrespeitados com essa medida, o que, diga-se de
passagem, não são poucos na França (5 milhões de muçulmanos vivem no país).
Esses aspectos demonstram como a
construção da história segue os ditames daqueles que possuem o domínio sobre as
relações de poder. Ou seja, enquanto há uma demonização da cultura islâmica,
unindo o terrorismo à religião, o que não é verdade, e perpetuando a visão de
que o estranho é sempre um bárbaro, esquecem-se as atrocidades que ocidente fez
e faz. Logicamente, esses atos não legitimam as ações terroristas do outro lado,
mas ajudam a explicar a revolta por parte dos jovens que se associam aos grupos
terroristas, os quais se utilizam da contra-história para demonstrar que o lado
civilizado, não é tão civilizado assim.
O recorte principal do texto que é a
França, não exclui outros países, mas neste caso não poderia ser diferente, uma
vez que os ataques recentes aconteceram na capital francesa. Além disso, a
França se vê como o vértice de uma pirâmide de civilidade, não aceitando
qualquer um que não compactue com o estilo de vida francês, embora, seja o país
com o maior número de muçulmanos na Europa.
Devemos reavaliar o nosso estilo de
vida ocidental, questionando de que forma isso contribui para a adesão de
tantos jovens, cheios de raiva e revoltados com a nossa sociedade, a grupos
terroristas. Violência gera violência. Pensamento simplista? Sim, mas,
verdadeiro. E a nossa sociedade, o nosso modus vivendus é violento. Estamos
robotizados, viciados em trabalho, solitários, cheios de fobias, ansiedades e
depressões. O sistema tiraniza a vida e exclui todos aqueles que não se adaptam
ou o questionam.
Esses jovens fazem parte dos excluídos
socialmente e, portanto, são um alvo falso para o terror. Como exposto no
documentário, alguns poucos jovens conseguem, após partirem para os países dos grupos
terroristas, retornar. Entretanto, a grande maioria permanece lá ou volta sem
vida. Se apesar de tudo isso, ainda continuarmos incapazes de ter uma reflexão
profunda e autocrítica, continuaremos contemplando a nossa civilidade bárbara.
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