segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Por que os jovens ocidentais têm se recrutado para o terrorismo?



George W. Bush batizou a guerra contra o terrorismo de “Guerra ao Terror”. O terror obviamente exposto por Bush (e pelo ocidente) refere-se aos bárbaros do oriente médio. No entanto, apesar da cultura islâmica ser, de maneira geral, demonizada pelo ocidente, parece-me estranho que ela seja a religião que mais cresce no mundo. A despeito disso, uma análise desprovida de preconceitos é altamente pontual.

O crescimento da religião é dada, sobretudo, pela aderência de jovens e curiosamente, vejam só, europeus. Os grupos terroristas têm seduzido com enorme facilidade os jovens ocidentais, os quais passam a fazer parte dessas engrenagens. O exposto fica muito nítido no documentário francês “Engrenagem”, que relata o recrutamento de jovens europeus e a facilidade com que estes se tornam parte dos grupos terroristas.

Antes de prosseguir, ressalto que o Islã é uma religião e em nada tem a ver com o terrorismo, no entanto, no documentário fica claro como os jovens aceitam a união entre as duas coisas totalmente antagônicas que lhes são passadas. Ou seja, como eles internalizam a mensagem fundamentalista dos grupos terroristas. O cerne da questão é perceber qual a raiz que leva esses jovens ocidentais a partilharem uma cosmovisão tão distinta da que vivem.

A visão ocidental, quase sempre, tende a construir um estereótipo da cultura muçulmana. Desse modo, perdem tempo focando em questões extrínsecas e deixam de analisar os problemas que têm feito jovens ocidentais aderirem grupos terroristas. Os jovens recrutados são deslocados e excluídos dos círculos sociais, seja da família, da escola ou do trabalho. Por não se comportarem segundo a cartilha ocidental, são vistos como inadequados sociais e passam a maior parte do tempo sozinhos. O refúgio acaba sendo a internet e é por meio da rede que os grupos terroristas recrutam esses jovens. Como os jovens são excluídos passam mais tempo na internet, o que facilita a ação dos grupos terroristas.

Dito de outro modo, o estilo de vida ocidental, pautado sobre o egoísmo e o individualismo cria relações vazias (líquidas como diz Bauman) e ilhas afetivas, nas quais esses jovens estão isolados e tornam-se altamente vulneráveis a ações ideológicas, como o dos grupos terroristas.

Outro ponto importante relaciona-se ao etnocentrismo. Nesse prisma, gostaria de fazer um recorte sobre a Europa, especialmente, sobre a França. Foi na França que surgiu o positivismo com Comte, pensamento o qual entendia que na sociedade existiam pontos de maior e menor desenvolvimento. Obviamente, os pontos de maior desenvolvimento eram da Europa civilizada e os pontos de menor desenvolvimento eram da África, da Ásia e em certa medida da América.

Esse pensamento influenciou os pensamentos de Spencer e do darwinismo social, legitimando, assim, o imperialismo europeu, sob o slogan do “fardo do homem branco” que dividiu as duas primeiras regiões supracitadas como se estivesse em uma pizzaria, desrespeitando limites étnicos, geográficos e culturais. Um desses aspectos imperialistas é o “Tratado Sykes-Picot” que secretamente dividiu regiões do oriente médio, que à época estavam sob domínio do império turco-otomano.

Outra questão importante é a guerra da França na Argélia (1956-1962), a qual repercutiu em Paris com a morte de mais de 200 argelinos que marchavam contra o massacre que o seu país sofria, sendo calados pelas balas francesas e jogados no rio Sena. Só mais uma “coisinha” (eu juro), desde 2010, uma lei francesa proíbe as pessoas de esconderem o rosto em local público, estabelecendo uma multa de 150 euros para quem desrespeite. Sendo assim, as mulheres muçulmanas não podem usar a burca em locais públicos. O governo francês alega que a medida é de segurança e não religiosa, assim como não se direciona apenas aos muçulmanos. Todavia, para uma mulher muçulmana sair na rua sem a burca é como sair mostrando os seios. Não importa se não concordamos ou achamos um exagero, faz parte da cultura islâmica e os islâmicos sentem-se desrespeitados com essa medida, o que, diga-se de passagem, não são poucos na França (5 milhões de muçulmanos vivem no país).

Esses aspectos demonstram como a construção da história segue os ditames daqueles que possuem o domínio sobre as relações de poder. Ou seja, enquanto há uma demonização da cultura islâmica, unindo o terrorismo à religião, o que não é verdade, e perpetuando a visão de que o estranho é sempre um bárbaro, esquecem-se as atrocidades que ocidente fez e faz. Logicamente, esses atos não legitimam as ações terroristas do outro lado, mas ajudam a explicar a revolta por parte dos jovens que se associam aos grupos terroristas, os quais se utilizam da contra-história para demonstrar que o lado civilizado, não é tão civilizado assim.

O recorte principal do texto que é a França, não exclui outros países, mas neste caso não poderia ser diferente, uma vez que os ataques recentes aconteceram na capital francesa. Além disso, a França se vê como o vértice de uma pirâmide de civilidade, não aceitando qualquer um que não compactue com o estilo de vida francês, embora, seja o país com o maior número de muçulmanos na Europa.

Devemos reavaliar o nosso estilo de vida ocidental, questionando de que forma isso contribui para a adesão de tantos jovens, cheios de raiva e revoltados com a nossa sociedade, a grupos terroristas. Violência gera violência. Pensamento simplista? Sim, mas, verdadeiro. E a nossa sociedade, o nosso modus vivendus é violento. Estamos robotizados, viciados em trabalho, solitários, cheios de fobias, ansiedades e depressões. O sistema tiraniza a vida e exclui todos aqueles que não se adaptam ou o questionam.

Esses jovens fazem parte dos excluídos socialmente e, portanto, são um alvo falso para o terror. Como exposto no documentário, alguns poucos jovens conseguem, após partirem para os países dos grupos terroristas, retornar. Entretanto, a grande maioria permanece lá ou volta sem vida. Se apesar de tudo isso, ainda continuarmos incapazes de ter uma reflexão profunda e autocrítica, continuaremos contemplando a nossa civilidade bárbara.

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