Nas ruas, em casa, no
trabalho, na escola, nos shoppings, em qualquer lugar que se vá, somos vigiados.
Nada escapa aos olhos, digo, as lentes atentas das câmeras. Somos monitorados,
invadidos, fiscalizados, escaneados e mais um pouco. Nada de privacidade, tudo
se convergiu em púbico ou potencialmente em público. E não ousem pensar em nada
diferente, pois, a vigilância nos nossos tempos é, em grande parte, voluntária.
O controle feito pelo
Partido, “personificado” pelo Big Brother, no mundo distópico de Orwell, se dá
pela vigilância constante, a qual controla tudo, inclusive, os pensamentos dos indivíduos.
Desse modo, o indivíduo deve estar integralmente sob o controle do Big Brother,
que tudo vê e ouve. Assim, qualquer desvio de conduta, ainda que seja em
pensamento, é considerado crime, o qual se chama “crimideia”.
Não há, portanto, a
possibilidade do indivíduo pensar por si mesmo, tampouco, questionar a
realidade posta pelo Partido. Bem como, todo meio que propicie o autoconhecimento,
como fazer algo sozinho, é visto como uma conduta imprópria e perigosa, a qual se
chama “proprivida”. Ou seja, os indivíduos são despersonalizados e convertidos
em autômatos controlados pelo Big Brother.
O mundo em 1984 não difere
em nada do nosso. A vigilância que sofremos contemporaneamente é tão autoritária
e controladora quanto a do livro. Assim como no livro, somos dominados pela
ideologia dominante, o que significa dizer em termos marxistas, que a dominação
não acontece pela força, mas sim, pelo convencimento. Isto é, a realidade é moldada
segundo as vontades da classe dominante, que nos vendem como verdades as suas
mentiras arquitetadas.
Essa falsa consciência da
realidade, que aceitamos, no entanto, não é construída e controlada apenas pelo
Estado. É o que bem atenta Foucault, uma vez que os mecanismos de poder, na
sociedade capitalista, se subdividem em micro-relações, de modo que ultrapassam
o Estado e atingem a vida cotidiana. Sendo assim, a vigilância acontece em
todas as esferas do convívio social, produzindo e impondo normas de
comportamento e adequação.
Seguindo o modelo do
panóptico, há uma visibilidade total do indivíduo, fazendo com que a sua vida
privada também se converta em pública, a fim de que seja controla nos mínimos detalhes.
Esse aspecto torna-se possível pelos aparelhos tecnológicos e pela internet. Estes
são como a teletela de Orwell e exercem a mesma função do Big Brother, qual
seja, vigiar a vida das pessoas, assim como, punir os inadequados.
A vigilância total das
sociedades atuais deveria causar desconforto e falta de liberdade. Entretanto,
as pessoas parecem estar à vontade e totalmente dispostas a contribuir para o
controle. Imersos no conteúdo midiático, seguem as ordens do Big Brother que
lhes indica o que deve ou não ser feito, o que em uma sociedade consumista,
pode ser resumido como o que deve ou não ser (existe essa possibilidade?)
comprado. Após isso, correm para as redes sociais, para que possam postar suas
selfies, demonstrando para o Big Brother que, como bons companheiros, seguiram
à risca os seus comandos.
Essa vigilância voluntária
é o que Bauman chama de “vigilância líquida”, já que consentimos em não somente
fazer parte, como também, contribuir para o controle, desconsiderando todos os
perigos de uma vida totalmente vigiada e controlada. Dentro de um modelo
panóptico, isto é, de visibilidade total, a vigilância tornou-se liquefaz e,
assim, é capaz de ocupar todos os espaços.
Com uma vida vigiada,
nos tornamos autômatos, sem vida e subjetividade, como os sujeitos do mundo de Orwell.
Embora nos achemos diferentes e autênticos, nos comportamos da mesma forma,
como se tivéssemos saído das páginas de 1984, vestindo os macacões azuis dos
membros do Partido. Somos meros reprodutores do discurso do Big Brother, sem
poder crítico e com a gama de pensamento reduzida. Insistimos em manter as
teletelas ligadas o tempo inteiro e não hesitamos em demonstrar a nossa obediência
a sua magnificência.
Estamos sob o controle
do Big Brother para Orwell, da ideologia para Marx, do panóptico para Foucault
e da vigilância líquida para Bauman. Cercados de grades que ajudamos a
construir, mas que fazemos de tudo para não enxergar, somos controlados em cada
suspiro do nosso pensamento. Para não sermos inadequados, abdicamos da intimidade
para tornamo-nos massa singular de lentes aprisionadoras e microfones que
impossibilitam qualquer palavra autêntica, já que, quando passamos a postar
fotos de comida no Instagram, fica difícil acreditar que os sonhos não estão sendo
monitorados.
Sobre a vigilância de Orwell em 1984, considero esta bem diferente, esta não limita a liberdade de pensamento, embora controle as ações e possa ser usada por questões de segurança, não para perpetuação do poder político, embora sirva à manutenção do poder financeiro.l
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