Um mundo sem dor, sem guerras, sem fome, sem miséria, sem corrupção, sem doenças; isto é, um mundo perfeito. Essa é a realidade apresentada no mundo distópico do Doador de Memórias. Contudo, para que essa realidade ideal funcione faz-se necessário que os habitantes não possuam relações afetivas, assim como sentimentos e cores.
Esse mundo perfeito é preto e branco, uma vez que não existem sentimentos e, portanto, falta o colorido que só estes conseguem dar à vida. Dessa forma, a atmosfera do Livro/Filme cria uma incômoda pergunta, a saber, o que é melhor: uma vida em paz cinzenta ou uma vida colorida cheia de turbilhões?
Esse é um conflito filosófico extremamente difícil. De um lado, há a vida sem problemas, mas sem emoção; e de outro, a liberdade de ter sentimentos e consequentemente fazer escolhas, como também assumir suas consequências.
A sociedade distópica do Doador de Memórias só funciona com perfeição em função da extrema organização da mesma, em que todos possuem horário para dormir e acordar, as profissões são escolhidas pelos mais velhos (anciãos), os casais existem tão somente para cuidar das crianças produzidas artificialmente. Ou seja, tudo é pré-determinado, as pessoas, apenas, cumprem suas atribuições sem questionamento. A liberdade de escolha, assim não existe, pois
"Quando as pessoas têm liberdade de escolha, elas escolhem errado."
Toda realidade construída justifica-se, assim, por essa premissa. O acaso é retirado da vida, pois só existe acaso quando há sentimentos, quando o racional se retira e dá lugar ao fascinante mundo do inexplicável. Não há, assim, a mínima credibilidade no homem, na sua capacidade de fazer o bem.
Nesse ponto de vista, há uma proximidade muito grande com a vida contemporânea marcada pela insegurança e desconfiança, como bem atenta Bauman no seu Amor Líquido. Entretanto, sabemos que de fato muitos problemas acontecem por escolhas erradas que tomamos. Movidos pelas paixões, impulsos, somos levados a tomar decisões egoístas que buscam apenas expandir o nosso eu, o desejo de dominar, a vontade de potência. Logo, se pensarmos sob esse prisma, existem inúmeros fatores que nos levariam ao mundo cinzento do Doador de Memórias.
Mas será que todo medo que temos em relação à vida, ao outro, à morte é suficiente para abdicarmos de viver e não somente sobreviver como autômatos? Viver num mundo sem desigualdades, sem inveja é o paraíso?
Não, definitivamente não. O homem é formado pelas suas complexidades, pelos sentimentos e pelas contradições que estes geram em cada um. A liberdade faz com que aprendamos a ter responsabilidades, de modo que não existe bom ou ruim na sociedade ideal do Livro/Filme, pois as pessoas são desprovidas de liberdade, de sentimentos, de memórias. Tudo é regrado, igual, determinado. O reino da mesmice não permite o improviso, não permite as cores, as singularidades, não permite o humano.
O humano, demasiado humano se mostra nas cores, na dança, na música, nos livros, nas artes, no amor, mas também, nas guerras, na destruição, na inveja, dado que o homem não é um ser simples, pelo contrário, a complexidade do homem é o que o diferencia dos demais. Como diz Whitman:
"Eu sou contraditório, eu sou imenso. Há multidões dentro de mim."
É essa contradição que faz a humanidade do homem. Ser humano não significa somente coisas boas, mas mesmo havendo sentimentos ruins, os quais nos levam às escolhas erradas como é dito, há sentimentos bons que nos levam a fazer coisas que beiram o inexplicável, e não há nada mais fascinante do que aquilo que não podemos decifrar, organizar.
Essas coisas indecifráveis são os sentimentos, mas a anciã chefe não acredita que os homens sejam capazes de controlar os seus sentimentos egoístas e tomar as decisões corretas. Não há, portanto, fé alguma na humanidade e na sua capacidade de fazer coisas boas e, desse modo, pelo medo do outro, pela insegurança tudo é levado a ser milimetricamente organizado e decidido de forma racional no reino da mesmice.
Contudo, viver é muito mais do que apenas sobreviver como robôs. Deixar ser guiado pelos sentimentos é jogar no terreno do acaso, do imprevisível e isso de fato traz perigos, pois é verdade que muitas vezes quando o homem tem a liberdade de escolher, ele escolhe errado. Mas, se não formos capazes de nos arriscar e acreditar no outro, nunca conseguiremos sentir o lado bom da vida.
O medo impede que vejamos um mundo novo a cada dia, impede que vejamos além do trivial, do comum, impede que vejamos que as coisas podem ser mais do que são. Nos padronizarmos nos fazem adequados, mas por que ser tão adequados? Por que ser igual aos outros? Por que nos contentar com o que temos? É isso que se passa na sociedade do Doador de Memórias como se fosse a realidade ideal, mas esquecem que são os sentimentos que nos tornam capazes de mudar as coisas, de não nos contentarmos com o que temos e melhorar.
Ao nos submetermos aos sentimentos, ao acaso, há sempre o risco de nos ferirmos, do outro nos machucar, de haver fome e guerras, todavia, sem os riscos torna-se impossível aproveitar o que a vida tem de bom a oferecer. São os sentimentos que carregamos que nos fazem singulares e únicos, que nos fazem ser reconhecidos como únicos, ser portados como únicos, e não como um conjunto de balas produzidas em série.
Os sentimentos são responsáveis pelas sensações mais sublimes que podemos ter, mas ao mesmo tempo, também são responsáveis por misérias que achamos inimagináveis. Contudo, esse é o preço a se pagar, pois como diz Montesquieu - "Correndo em busca do prazer, tropeça-se com a dor". A dor faz parte da vida, mas não é por isso que devemos ser engolidos pelo medo. É preciso arrisca-se, ir além, sentir o que um abraço ou sorriso proporciona e saber que os sentimentos também podem fazê-lo chorar. Uma vida colorida traz problemas, mas prefiro isso a uma vida sem amor, pois como um sábio outrora disse:
Essas coisas indecifráveis são os sentimentos, mas a anciã chefe não acredita que os homens sejam capazes de controlar os seus sentimentos egoístas e tomar as decisões corretas. Não há, portanto, fé alguma na humanidade e na sua capacidade de fazer coisas boas e, desse modo, pelo medo do outro, pela insegurança tudo é levado a ser milimetricamente organizado e decidido de forma racional no reino da mesmice.
Contudo, viver é muito mais do que apenas sobreviver como robôs. Deixar ser guiado pelos sentimentos é jogar no terreno do acaso, do imprevisível e isso de fato traz perigos, pois é verdade que muitas vezes quando o homem tem a liberdade de escolher, ele escolhe errado. Mas, se não formos capazes de nos arriscar e acreditar no outro, nunca conseguiremos sentir o lado bom da vida.
O medo impede que vejamos um mundo novo a cada dia, impede que vejamos além do trivial, do comum, impede que vejamos que as coisas podem ser mais do que são. Nos padronizarmos nos fazem adequados, mas por que ser tão adequados? Por que ser igual aos outros? Por que nos contentar com o que temos? É isso que se passa na sociedade do Doador de Memórias como se fosse a realidade ideal, mas esquecem que são os sentimentos que nos tornam capazes de mudar as coisas, de não nos contentarmos com o que temos e melhorar.
Ao nos submetermos aos sentimentos, ao acaso, há sempre o risco de nos ferirmos, do outro nos machucar, de haver fome e guerras, todavia, sem os riscos torna-se impossível aproveitar o que a vida tem de bom a oferecer. São os sentimentos que carregamos que nos fazem singulares e únicos, que nos fazem ser reconhecidos como únicos, ser portados como únicos, e não como um conjunto de balas produzidas em série.
Os sentimentos são responsáveis pelas sensações mais sublimes que podemos ter, mas ao mesmo tempo, também são responsáveis por misérias que achamos inimagináveis. Contudo, esse é o preço a se pagar, pois como diz Montesquieu - "Correndo em busca do prazer, tropeça-se com a dor". A dor faz parte da vida, mas não é por isso que devemos ser engolidos pelo medo. É preciso arrisca-se, ir além, sentir o que um abraço ou sorriso proporciona e saber que os sentimentos também podem fazê-lo chorar. Uma vida colorida traz problemas, mas prefiro isso a uma vida sem amor, pois como um sábio outrora disse:
"A vida seria tranquila sem o amor. Segura, sossegada... E monótona..."
"O reino da mesmice não permite o improviso, não permite as cores, as singularidades, não permite o humano." Essa frase me fez lembrar de muita coisa que ando pensando e vivendo ultimamente.
ResponderExcluirE apesar de eu não ter visto esse filme (ainda né), entendo perfeitamente o que você quis dizer com tudo isso; e aliás acho super verídico!
Conseguiu definir aquilo que anda na minha cabeça faz um bom tempo... Adorei o texto! Parabéns pelo blog :D
Quando puder dê uma passadinha lá no meu: http://entrelinhas-do-contexto.blogspot.com.br/
Muito obrigado, fico feliz que tenha gostado. Farei sim uma visita ao seu blog.
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