terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O que é a Matrix? A sociedade de consumo por Marx e Baudrillard


O que é a Matrix? Essa é a pergunta feita por Neo, mas de tão intrigante que é, o telespectador atento a internaliza como sua e, assim, passa a questionar-se. Morpheus, o grande filósofo da obra cinematográfica, diz em dado momento a Neo que somente ele pode descobrir, de fato, o que é a Matrix, do mesmo modo, que somente cada um de nós pode descobrir essa verdade.
“Infelizmente, é impossível dizer o que é a Matrix. Você tem de ver por si mesmo”.
Sendo assim, a descoberta da realidade é um ato individual, ainda que possa ser influenciado por outrem, e que depende de vontade e coragem. É muito mais fácil permanecer seguindo a rotina cotidiana, fazendo parte de uma engrenagem, como gostam de falar os positivistas. A dificuldade reside em enfrentar as condições dadas, a fim de que se possa atingir a consciência do real, tornando-se um inadequado social.

A escolha entre a pílula azul e a vermelha é o que determina se você quer saber o que é a Matrix. Se você decidiu pela pílula azul, por favor, não continue. Caso, ainda esteja lendo, escolheu a vermelha. Sábia escolha. Seguem as palavras de Morpheus sobre o que é a Matrix:

Neo: O que é a Matrix?

Morpheus: Você quer saber o que é a Matrix? Matrix está em toda parte [...] é o mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.

Neo: Que verdade?

Morpheus: Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu em um cativeiro. Nasceu em uma prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente.

A Matrix, dessa forma, é a construção artificial de uma realidade que se reveste de aparências determinadas pela nossa mente. É uma hiper-realidade, uma espetacularização, dada pelos dominantes e que aceitamos como verdadeira. Como prisão “tradicional”, haveria repulsa e todos combateriam tal prisão. No entanto, quando se criam gaiolas enfeitadas e cheias de distrações, passamos a não perceber (ou não querer perceber) que, embora existam “atrativos”, ainda estamos em uma prisão. E como toda prisão, há controle, coerção e cerceamento de liberdade.

Todos os elementos que formam a Matrix não passam de manipulações sígnicas feita por aqueles que detêm o monopólio das relações de força, para usar um termo de Foucault, e que nós aceitamos como verdadeiras. Assim, internalizamos as coisas a partir de seu valor simbólico, o que leva, por consequência, a um mundo de simulacros.

Embora, o simulacro seja uma versão simulada da realidade, a sua construção se dá de uma forma tão cuidadosa que a ilusão passa a substituir o real no imaginário das pessoas. Estas ficam condicionadas de tal maneira que se recusam a aceitar que aquele mundo é apenas uma ilusão. Morpheus chega a alertar Neo para isso, afirmando-lhe que alguns indivíduos estão tão habituados àquela realidade que defenderão o sistema.

Esse fato demonstra que a força do dominante consiste no nosso consentimento, uma vez que aceitamos uma realidade que nós é passada sem o menor poder de questionamento. Pelo contrário, procuramos aumentar a nossa dependência e alienação ao sistema, o que em uma sociedade de consumo, obviamente demonstra-se pelo consumismo.

Há de se considerar que o problema não é o consumo, mas sim, o valor simbólico que é dado às mercadorias, criando a hiper-realidade da Matrix. Essas ideias de Baudrillard podem ser percebidas também em Marx, a saber, na relação de fetichismo da mercadoria, em que as pessoas passam a atribuir às mercadorias um valor quase divino, as consumindo pela sua transcendência, isto é, pela capacidade que certas mercadorias têm de elevar o indivíduo perante os outros.

O que não percebemos (ou não queremos perceber), mais uma vez, é que a Matrix, a nossa sociedade consumista, cria um exército de servos voluntários, que aceita os grilhões impostos pelos dominantes através da publicidade, como se fossem soluções mágicas de felicidade. Tomando suas pílulas azuis todos os dias, distanciam-se de si mesmos e, portanto, do autoconhecimento, tão necessário à libertação, já que, como dito, a libertação é individual e se o indivíduo não busca autoconhecer-se a fim de pensar de forma crítica o mundo que o circunda, torna-se impossível enxergar a Matrix.

A decisão entre sair ou permanecer na caverna é difícil desde Platão. Entretanto, a coragem é o que separa as almas livres dos meros autômatos que nos tornamos. A coragem é que faz um homem decidir tomar a pílula vermelha e livrar-se das amarras que tornam o mundo mais “bonito”. A coragem é que faz o homem manter-se erguido percebendo a decadência da humanidade fora da hiper-realidade. A coragem é o que permite que alguns homens lutem pela liberdade daqueles que se acham livres por poderem escolher entre o Bob’s e o McDonald’s. A coragem é o que falta para aqueles que insistem em continuar em dobrar a colher e não percebem que são eles que se dobram, pois como disse Goethe:
"Não existe pior escravo do que aquele que falsamente acredita estar livre."

10 comentários:

  1. Acho que o grande pecado que o seu texto comete (o mesmo que o filme Matrix, aliás) é de achar que existe uma realidade para ser transcendida ou algo assim.

    Baudrillard queria dizer que vivemos em uma sociedade de espetáculo, onde o valor simbólico torna-se a coisa em sí: não existe nenhuma realidade verdadeira, não há mais original nem cópia, o simulacro nos impede de separar isso.

    Porém, essa interpretação da realidade como prisão é realmente uma virada marxista na teoria do Baudrillard . Certamente, Baudrillard tem Marx como uma de suas principais influências, mas acaba dando uma curva e indo na direção daquilo que chamam de "pós-moderno" ou qualquer baboseira dessas.

    O simulacro não é uma prisão por que não existe nada além dela. E foi nesse ponto que Matrix falhou.

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    1. Anônimo, vc não acha que o "simulacro" tolhe o autoconhecimento e o senso crítico da maioria das pessoas, ditando-lhes que caminho seguir ou o que comprar pra ser feliz, transformando-nos assim em gado? E que para além disso há todo um universo de conhecimento e de infinitas possibilidades que terminamos por não explorar já que nossos comportamentos estão condicionados ou, de certa forma, fomos bokanovskizados (Admirável Mundo Novo) pelos meios de comunicação em massa. Assim, virtualmente impedidos de tentarmos caminhos originais, estamos realmente em uma prisão sem muros?

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    2. Não acredito pois tudo fora do simulacro é o próprio simulacro. O simulacro é o signo que toma o lugar da coisa em sí, desaparecendo com ela por completo. É o chamado hiperreal, onde a realidade se torna mero signo. A ideia de existir algo lá fora (fora o simulacro) é também uma simulação.

      Pra entender a ideia de signo a gente tem que lembrar do sistema de objetos do Baudrillard, em que entre outras coisas, atribui aos objetos quatro valores distintos:

      O valor de uso, que seria próprio da sua utilidade em sí, o valor de troca, que é o objeto inserido em um sistema economico, o valor simbólico, que é o valor atribuido pessoalmente a um objeto (como a afeição que você sente por um relógio que foi dado pelo seu avô ou algo assim) e por último, o valor de signo, que é uma especie de "intersubjetividade", o subjetivo que se torna comum.

      Baudrillard argumenta que vivemos em uma sociedade em que o valor de signo tomou a tudo (a sociedade de espetáculo!), onde os outros valores, se não postos como marginais, já foram perdidos e ocultados pelo de signo. Assim, a coisa em sí não é mais a coisa em sí, é o que se diz/faz/pensa sobre a coisa em sí, a coisa em sí se perde no meio das representações. Não faz mais sentido falar de cópia e original, verdadeiro ou falso, pois eles se confundem.

      A matrix verdadeira é uma composição de signos - religião, ciência, filosofia, artes, tradições... - que ao sairmos dela, só vemos a continuação do simulacro: o fora só é fora pois o dentro é dentro, real e falso são representações, são simulacros.

      É meio confuso, por isso acabo me embolando pra tentar explicar, o Baudrillard faz - obviamente - de jeito bem melhor e mais belo (apesar de também manter a dose de confusão própria de sua linguagem. Um filme que tem uma alegoria bem mais legal do simulacro é O Show de Truman, quem nunca viu, assista, é bem bacana.

      Abraços!

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  2. Sim , existe a dicotomia . Não vejo pecado no texto tampouco o filme a esse respeito .
    Existe sim outra realidade , alias várias outras ! E portanto essa que impera realmente aprisiona e priva os seres a ela entregue. Mas sinceramente acredito que sempre houve , desde os primórdios da raça humana , e isso faz a roda girar , cria a diferença de potencial necessária para evolução e a "filtragem" necessária .
    Precisamos da Matrix para a devida seleção natural .

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  3. cara..é muita droga que vocês tao usando...uma comédia..kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  4. Muito bom o texto Erick, parabéns! E também interessante a perspectiva crítica de Anônimo, talvez, a partir da psicanálise, possamos considerar que tudo que está "preso" a qualquer tipo de representação (a linguagem por exemplo) está marcado por um simulacro e que a verdade ou a "liberdade pura" seria da ordem do inominável. Se a alma precisa de um corpo para viver podemos pensar que ela sempre estará presa a ele, mas há possibilidades infinitas de responder que corpo quer minha alma.

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  5. Muito obrigado pelos comentários! Acredito que as ideias expostas pelo texto e as possíveis contradições levantadas por "Anônimo" são extremamente significativas, inclusive, engrandecem o texto, é o que considero boa crítica. De fato, a hiper-realidade de Baudrillard se constrói na medida em que damos significação as coisas, ou seja, nós mesmo atribuímos valor as coisas, o que me lembra Nietzsche quando fala sobre a construção da verdade através da linguagem e do esquecimento. Em outras palavras, existe a possibilidade de tudo ser um simulacro, pois todas as coisas têm valor a partir das nossas perspectivas, assim como, pode existir uma verdade fora da ressignificação das coisas ou do condicionamento que sofremos. Enfim, é uma questão bastante complexa e que sucinta o pensamento de vários autores, como os já citados, bem como, Orweell, Huxley, La Bóetie, etc.
    Abraços e continuemos pensando!

    PS: tem um texto relacionando "O Show de Truman" com as ideias de Baudrillard aqui no blog.

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  6. Dica para publicação: o prefácio de Aldous Huxley na segunda edição de Admirável Mundo Novo. Beira a profecia.

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