A poluição e o
consumismo exacerbado criam uma sociedade com problemas climáticos, em que a
chuva e o cinza se fazem presentes quase o tempo inteiro, superlotada, suja e
com enormes discrepâncias sociais. Essa é a realidade apresentada em 2019 pelo
filme “Blade Runner” de Ridley Scott, inspirado no livro “Do androids dream of electric sheep?” do escritor
americano Philip K. Dick.
Nesse futuro distópico
são criados robôs mais fortes e
ágeis que os seres humanos e se equiparando a estes em inteligência. Esses
robôs são chamados de replicantes e eram utilizados em outros planetas para
exploração ou povoamento. No entanto, quando um grupo de replicantes mais
evoluídos provoca um motim, em uma colônia fora da Terra, eles se tornam
ilegais no nosso planeta, sob pena de morte. A morte deles fica a cargo de uma força
especial da polícia – os Blade Runners – no qual se encontra Rick Deckard
(Harrison Ford).
A trama gira em torno da perseguição de Deckard a um grupo de
replicantes, liderados por Roy Batty (Rutger Hauer). Todavia, o filme é muito
mais do que uma perseguição entre Deckard e os replicantes ou uma luta entre
homens e máquinas. A obra discute o que é ser humano, isto é, o que define o
homem enquanto homem?
Os replicantes são vistos como seres inferiores, incapazes de
desenvolver suas próprias emoções e memórias. Essa visão pode ser alargada para
a forma como o homem ao longo da história lida com a natureza, sempre a vendo
como algo a ser explorado e dominado, como algo inferior. Assim, diante da sua
proeminência, o homem desrespeita a natureza, utilizando-a de forma gananciosa
e estúpida, o que, por sua vez, gera consequências, como as demonstradas no
filme, em que raramente vemos o sol ou algo limpo.
Sendo assim, já se torna questionável a superioridade do homem e daquilo
que o define como sendo melhor que os replicantes. Essa incapacidade de
desenvolverem emoções e memórias próprias e, por conseguinte, laços afetivos, é
totalmente contraditória ao que percebemos no comportamento dos replicantes, a
forma como se tratam e a relação de verdadeiro afeto que possuem. De forma
oposta, não é perceptível essa humanidade nos próprios homens, que se comportam
de forma fria e objetiva. Esse paralelo também faz parte da sociedade
contemporânea, pois, na medida em que a tecnologia tem se humanizado, nós temos
nos desumanizados.
Esse paradoxo entre
seres humanos desumanizados e máquinas humanizadas apresentado no filme, nos
faz refletir sobre a questão já mencionada, em relação ao que define o “ser”
humano. A própria incógnita sobre a natureza de Deckard, ou seja, se ele é ou
não um replicante, apresenta-se como uma metáfora para demonstrar a
complexidade sobre a definição desse “ser” humano. Os replicantes demonstram
sentimentos que não percebemos nos homens da trama, bem como, dificilmente
temos percebido na nossa sociedade.
Obviamente, hoje, ainda
não possuímos máquinas como os replicantes, mas isso pouca importa em face da
problemática desenvolvida, em que ao compararmos o comportamento dos
replicantes com os humanos, percebemos o quão distante estamos da essência do que
define algo como sendo humano. A falta de amor, de compaixão, de respeito que
se tornaram estandartes da sociedade contemporânea, nos faz perceber que
estamos muito mais próximos de autômatos, vivendo vidas robotizadas e
controladas, sem a menor capacidade de olhar para o outro e com ele fincar
raízes, do que humanos.
No filme, ao contrário
disso, percebemos sentimentos vivos nos replicantes, sobretudo, quando Roy
tendo oportunidade de matar Deckard, que até ali lhe caçava, em um ato de
compaixão, o deixa viver. Assim como, na mesma cena, Roy desabafa sobre a sua
angústia em saber que o que vivera, tudo que vira e sentira, será apagado
quando se for, como se fosse lágrimas na chuva, ou seja, a sua angústia diante
da finitude da vida, que é um dos traços mais importantes do ser humano.
A obra cinematográfica
traz várias discussões importantes, como a desorganização social, a poluição e
o caos urbano, provocados pelo próprio homem, como já citei. Mas, acima de
tudo, critica-se o modo como o homem tem lidado com ele mesmo, isto é, como
nós, enquanto seres humanos, temos nos olhado e nos relacionado.
Perdemos a nossa
subjetividade, nos comportamos de forma padronizada, somos destituídos de amor
e qualquer capacidade de ter um relacionamento que vá além da página três, de
modo que esquecemos o significado do que é ser humano. Ao esquecermos isso, também
esquecemos, como bem lembra Roy, que um dia as nossas lembranças se esvairão como
lágrimas na chuva, e quando isso acontecer, é bom que tenhamos lembranças bonitas
como as de Roy, para que como verdadeiramente humanos, possamos ter lágrimas
para chorar ao invés de ter apenas água caindo sobre corpos que, embora orgânicos,
são totalmente ocos.
Eu sei que já ouviu isso inúmeras vezes, mas, exelente texto.
ResponderExcluirMuito obrigado!
ResponderExcluirQueremos mais textos, queremos mais textos, queremos mais textos, queremos mais textos, queremos mais textos, queremos mais textos. kkkk
ResponderExcluirCalma, rsrs.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirNesse contexto os replicantes consideravam se se humanos por possuírem memórias ou por serem feitos de matéria orgânica?