Achamos
que somos capazes de entender a vida em sua plenitude, mais que isso, de
controlá-la. Fazemos planos, nos preparamos, criamos expectativas e quando
esperamos receber aquilo que tanto esperávamos, somos surpreendidos com as suas
peripécias. A vida e o seu universo infinito de possibilidades que ansiamos por
entender com a nossa finitude. Triste destino do homem, lançado ao mar apenas
com a roupa do corpo e sua sorte. Lançado a um mar revolto que deve ser
enfrentado.
Debruçando-se
sobre essas complexidades, Ernest Hemingway escreveu aquela que é considera por
muitos a sua obra-prima: “O Velho e o
Mar” (The old man in the sea). O livro narra a história de um velho
pescador, Santiago, um homem frágil ou nas palavras do próprio Hemingway
“magro” e “seco”. Um homem simples e sem posses, sem estudos, que vive sozinho
e é visto como destituído de sorte. Esse velho, então, se lança ao mar a
procura de peixes, no entanto, essa “viagem” ganha contornos inesperados,
sobretudo, quando ele consegue fisgar um peixe enorme, como mais de seis metros
e este é destruído gradativamente pelos tubarões enquanto retorna para a costa.
A
história simples do livro pode parecer banal, entretanto, Hemingway constrói
uma obra extremamente filosófica, metafórica e poética que se comunica a todos
os seres humanos. O Velho representa a fragilidade do ser humano, a sua
precariedade, a sua finitude, a sua solidão, a sua angústia. Por outro lado,
representa também a alma sonhadora que nos mantêm vivos e que espera sempre
algo mais da vida, que vai em busca da essência das coisas, da alegria, das
felicidades.
O
mar representa a imensidão de um mundo que pouco conhecemos. A grandiosidade em
que não se sabe o início ou o fim, na qual se sabe malmente a parte na qual
estamos inseridos. O mistério das coisas ocultas que nos são apresentadas sem
prefácio. O perigo que precisa ser enfrentado.
Assim
como o Velho, precisamos encarar a imensidão do mar, ainda que saibamos que ele
é enorme e que nós somos pequenos demais para sermos vistos enquanto navegamos
por ele. Mas, não podemos passar a vida em uma cabana, precisamos sair e
enfrentar o mundo. O problema é que por mais que sejamos atentos e experientes,
o mar sempre arruma novas formas de nos surpreender, de tal maneira que devemos
estar preparados para lidar com o que acontece após as tempestades ou o ataque
dos tubarões, pois nunca saberemos nos defender de modo satisfatório ou teremos
armas hábeis para lutar contra o desconhecido. O importante é lutar de acordo
com as possibilidades e se manter forte, para que após a luta tenhamos força e
coragem para prosseguir.
Santiago se lançou ao mar a procura de
peixes, foi sozinho, em um pequeno barco, do mesmo jeito que nós nos lançamos
no mar da vida, em solidão, navegando a procura do nosso destino ou de fazê-lo,
e muitas vezes, quando o encontramos, como o Velho encontra o seu grande peixe, temos
que continuar lutando para mantê-lo, contra os tubarões, até que por vezes não
reste nada e nós tenhamos que retornar à costa, descansar e preparar-nos melhor
para que da próxima vez consigamos trazer o peixe inteiro para casa.
Obviamente, não é fácil resistir aos
ataques ferozes de seres que querem roubar os peixes que arduamente conseguimos
pescar. Todavia, isolados no mar, só contamos com as nossas forças e a luz do
farol que algumas vezes conseguimos enxergar, a qual mantém a esperança mesmo
quando a lua aparece e tudo se transforma em uma grande escuridão. Sendo assim,
a possibilidade de vida está em sempre continuar lutando, mesmo quando as
forças pareçam se esvair ou a luz do farol demore a aparecer.
Como lembra Santiago – “Um homem pode ser destruído, mas não
derrotado” – e, assim, sempre haverá novas formas de recomeçar e de
aprender a lidar com as dificuldades que a vida nos impõe. Aprender a descobrir
novos caminhos a partir das quedas e de encontrar na carcaça do peixe a sorte
que nos espera.
“A sorte é coisa que vem de muitas formas. Quem sabe reconhecê-la?”
No mar nunca se sabe que ventos
soprarão, tampouco o que há nele. Não sabemos em que momento o grande peixe
que esperamos aparecerá, nem qual o melhor momento de atacá-lo, bem como,
sempre nos faltam as armas corretas para pegá-lo e ajudar a enfrentar os
inimigos que aparecem para nos atrapalhar e levar o peixe embora. Em meio a
todas essas dificuldades e à solidão que não empresta um cobertor para aquecer
a espinha, o desespero e o desânimo às vezes são inevitáveis, afinal:
“[...] que pode um homem contra eles, no escuro, sem armas?"
No entanto, por mais que as vicissitudes
da vida sejam do tamanho do oceano e a nossa força e entendimento dela sejam do
tamanho de um esquife, quase imperceptível em meio ao todo, em solidão que só
tem como ouvido o próprio mar, o homem, mesmo magro e seco, deve continuar a
lutar contra os tubarões e permanecer remando, já que os ventos que sopram do mar só são às vezes nossos
amigos e ele é largo demais para que possamos navegá-lo totalmente.
É preciso aceitar a complexidade da vida
e saber que por mais que lutemos, algumas vezes sem explicação tubarões
aparecem e levam o nosso peixe. Talvez isso aconteça porque não estamos
realmente preparados para ter o peixe, de modo que precisamos nos preparar
melhor para usufruí-lo. Talvez os tubarões sejam as dificuldades que nos fazem
mais fortes, que nos mostram que mesmo sem armas podemos lutar. Talvez sejam os
mistérios que o mar possui e que jamais conseguiremos entender.
Seja como for, o homem tem o seu destino
no mar, lutando para se manter firme e continuar a navegar mesmo quando o mar
pareça escasso de peixes e cheio de tubarões, porque por mais que o mar seja
bravo com o pescador, para os que conseguem lutar e manter a esperança, nele
também há calmaria, assim como, nuvens que se amontoam ante os alísios e patos
bravos que se desenham contra o céu, pois se o universo tem um destino de
felicidade, mesmo com as mãos feridas é preciso continuar lutando para
encontrá-lo.
Não sei se você teve a oportunidade de ler o livro ''Cem dias entre o céu e o mar'', nesse expressa tudo oque disse. Parabéns pelo o texto e ,aliás, tem uma síntese encantadora no site da Obvius sobre ele. Leia, que é agregador. Abraço.
ResponderExcluirObrigado!
ResponderExcluirAbraços!
Resumiu em parágrafos o que é a vida. GENIAL!
ResponderExcluirMuito obrigado!
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