Hobbes já dizia que se
o homem é desejante, então, o mundo é uma guerra de todos contra todos. A verdade
é que o desejo sempre foi alvo de estudo entre as mentes mais brilhantes ao
longo da história. Posto isso, há de se considerar o seu valor na constituição
do ser. O mercado, sempre perspicaz, atentou-se para isso e construiu a fórmula
de ouro da felicidade contemporânea.
Antes de adentrar nessa
fórmula, faz-se necessário uma análise sobre a mudança paradigmática da
estrutura capitalista, para que a problemática seja entendida. Grosso modo, a
partir do século dezenove, após as revoluções burguesas do fim do século dezoito,
há a derrocada dos resquícios feudais presentes na sociedade moderna. Dessa forma,
a sociedade moderna industrial transfere o papel redentor da Igreja para o
Estado, assim como fez os patrões serem respeitados como sacerdotes.
Na grande igreja do
capital, as ovelhas, vendedoras de sua mão de obra, reforçam o valor do
trabalho. No entanto, o consumo não era um fator determinante na produção,
tanto é assim, que as jornadas de trabalho eram muito maiores do que hoje. Além
disso, a ideia de poupar, acumular bens era vista sob a ótica protestante, como
sinal de predestinação. Sendo assim, havia uma limitação ao consumo.
Esse sistema perdurou
até a década de 60 do século passado, quando há, então, a mudança
paradigmática do sistema capitalista, em que o mercado estagnado, enxerga no
consumo a solução dos problemas. Todavia, para que o consumo fosse estimulado,
deveria existir o desejo em consumir. O marketing, a menina dos olhos do
mercado, tratou de criar necessidades, até então inexistentes, a fim de que o
desejo em consumir fosse estimulado.
Sendo assim, muda-se a
moral capitalista, que sai de uma estrutura poupadora, de acúmulo de bens, para
uma estrutura que mede o sucesso pelo volume de compras. Ou seja, cria-se uma
fórmula da felicidade, em que a esta seria o resultado de um desejo
satisfeito.
Há de se perguntar, então,
qual o problema nisso. E a resposta, embora, simples, passa despercebida. Toda fórmula
determinista gera muitos frutos podres. Logo, criar uma fórmula de felicidade tão
somente a partir do consumo implica grandes problemas, uma vez que se não tenho
os meios necessários para satisfazer o meu desejo, torno-me para o seio social,
automaticamente infeliz. Dito de outro modo, se não possuo os meios que me
permitem uma vida voltada para o consumo, estou inapto à felicidade.
Cria-se, portanto, uma
rede aprisionadora, em que, embora estejam em uma gaiola muito bonita, esta
ainda é uma gaiola, que retira a liberdade do indivíduo e o impossibilita de
pensar e agir por si mesmo. O mundo torna-se uma ode ao consumo, ou como
prefere Fromm:
“O mundo é um grande objeto de nosso apetite, uma grande maçã, uma garrafa, um grande seio; somos sugadores, os eternamente em expectativa, os esperançosos – e os eternamente decepcionados. Nosso caráter é engrenado para trocar e receber, para transacionar e consumir tudo, os objetos espirituais como materiais, torna-se objeto de troca e de consumo.”
Nesse prisma, o homem também está incluso nessa rede inesgotável de consumo e como tudo deve ser constantemente trocado, e nós também, somos mercadorias,
logo, também somos periodicamente trocados. Isto é, para que essa estrutura
tenha sucesso, é preciso que haja necessidades ilimitadas para o homem, a fim
de que o seu desejo seja renovado e, assim, busque consumir coisas novas.
Assim, há uma total
perda do sentido entre o que importa e o que não importa, pois tudo se converte
em uma grande rede descartável. Aqui se encontra o grande problema, pois com
essa descartabilidade deixa-se de se valorizar as pessoas e os sentimentos, ou
seja, os elementos necessários à criação de laços e que mantêm as pessoas verdadeiramente
unidas.
Não existe problema em
consumir, mas sim, em viver uma vida para o consumo, de forma que tudo aquilo
que seja desprovido de um valor econômico seja visto como desnecessário. Ademais,
a felicidade é algo totalmente subjetivo, participar de uma orgia consumista de
necessidades criadas por um terceiro alheio ao que me forma, apenas
retroalimenta o consumo e me torna mais sozinho, triste e infeliz.
Deixa-se de ser quem se
é, para ser apenas um zumbi que consome, e pior, consome necessidades que fogem
totalmente ao seu caráter, apenas para se sentir “incluído” e “feliz”. Um zumbi
alienado dos outros, da natureza e de si mesmo, que não enxerga outra coisa a não
ser mercadorias, afinal nesse conto de fadas da felicidade:
“A vida não tem meta exceto a de movimentar-se, nem princípio a não ser o da boa troca, nem satisfação que não seja a de consumir.”
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