Em
momentos de crise é sempre bom retornar ao passado e tentar aprender com os
erros que cometemos. Essa pequena lista de filmes ajuda a entender um pouco
mais o momento negro que vivemos durante a ditadura civil-militar. Os filmes
listados vão além do óbvio e mostram a importância fundamental do apoio do
empresariado brasileiro para a sustentação do Golpe, bem como, a alienação da
maior parte da população da época, a qual, inclusive, durante os tempos áureos
do regime, leia-se milagre econômico, avaliava o “governo” militar como
maravilhoso. Pena que aqueles que lutaram pela democracia, como o Frei Tito de
Alencar, não puderam dizer o mesmo.
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006)
“Mesmo sem querer nem entender direito, acabei virando uma coisa chamada exilado. Acho que exilado quer dizer: ter um pai atrasado, mas tão atrasado, que nunca mais volta pra casa!”
Dirigido
por Cao Hamburger, criador do Castelo Rá-Tim-Bum, o filme se passa no ano de
1970 e conta a história de Mauro (Michel Joelsas), um garoto mineiro de 12 anos
que adora futebol. O garoto se vê obrigado a mudar para São Paulo e morar com
seu avô paterno, quando seus pais perseguidos pela ditadura precisam fugir. No
entanto, Mauro pensa que eles estão saindo de férias e por isso vai ficar
durante esse tempo com seu avô. Acostumado a trabalhar para o público infantil,
Cao consegue trazer um olhar lúdico à obra, demonstrando sob o olhar infantil o
momento turbulento que passava o Brasil. Aproveitando-se ainda da Copa de 1970
e da euforia com a seleção brasileira, ele demonstra as ambigüidades da época,
em que alegria se mistura com violência, tristeza e dor, o que se torna ainda
mais complexo e mais triste quando observado por uma criança que não entende
muito do que acontece ao seu redor.
Cidadão Boilesen (2009)
“Só existe uma democracia no Brasil, que é a democracia da tortura.”
Documentário
produzido e dirigido por Chaim Litewski, narra a história de Henning Albert
Boilesen, um empresário dinamarquês naturalizado brasileiro que dirigiu o grupo
Ultra, da Ultragaz. O documentário demonstra a ligação do empresariado
brasileiro com a ditadura civil-militar, financiando esta pelo “medo” da
implantação de um sistema socialista no Brasil. A obra deixa claro que a
ditadura não se realizaria sem a participação do empresariado, demonstrando a
importância e a participação das grandes empresas nos anos de chumbo no Brasil,
em que além de financiarem a implantação do golpe militar de 1964, também
financiaram a formação da Operação Bandeirante (OBAN) que iniciou a fase mais
perversa da ditadura, em que as práticas de tortura ganharam contornos
inimagináveis, originando o que viria a ser o DOI-CODI. A produção de Litewski
é uma obra-prima do cinema nacional, muito bem construída e estruturada, é
imprescindível para quem quer entender um pouco mais sobre a ditadura e
descobrir a própria participação da sociedade civil na implantação desta.
Memórias
do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor (2012)
"O Médici também era uma pessoa muito popular, é preciso lembrar isso. Ele presidiu o Brasil num momento de grande repressão pra memória da esquerda. mas para memórias das pessoas comuns, que estavam vivendo o milagre econômico, com crédito para comprar geladeiras, fogões e carros, o governo do Médici era ótimo.”
Documentário
dirigido pelo historiador e jornalista Lúcio de Castro, a obra revela a ligação
do futebol com a ditadura civil-militar no Brasil e em outros países
sul-americanos. O filme demonstra a influência da mídia e do jogo mercadológico
para a manutenção da ditadura militar através, sobretudo, da euforia criada ao
redor do futebol e do milagre econômico, demonstrando desde aquela época, o
poder da economia e do jogo ilusório da mídia sobre as pessoas e a manutenção
da ordem estabelecida, que era, no caso, o regime militar. Lúcio de Castro
constrói uma ótima análise que evidencia as barbáries da ditadura,
perseguições, como a de João Saldanha, e a influência das marcas globais, dos
EUA e da mídia na construção e manutenção dos regimes ditatoriais sul-americanos,
estruturados na Operação Condor. Essencial, o documentário é mais um que
demonstra os elementos utilizados para a manutenção da ditadura, que iam muito
além da força física. Além disso, ainda conta com a participação do grande
Eduardo Galeano.
Batismo de Sangue (2007)
“Nos dias primaveris, colherei flores para meu jardim da saudade. Assim, externarei a lembrança de um passado sombrio.”
O
filme é baseado no livro homônimo do Frei Betto, vencedor do prêmio Jabuti. O
filme do diretor Helvécio Ratton conta a história dos freis Tito (Caio Blat),
Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e
Ivo (Odilon Esteves) que movidos pelos ideais cristãos passam a apoiar o grupo
guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella (Marku
Ribas). Com o apoio, eles passam a ser vigiados pelos ditadores e acabam sendo
presos e torturados. A obra demonstra de forma muito bem realista a crueldade
que cercava as sessões de torturas e a injustiça que pairava sob o estado de
exceção no Brasil. O longa ainda conta com a figura de Cássio Gabus Mendes
interpretando o assassino Sérgio Fleury, delegado do DOPS, além de mostrar a
intensificação da violência com a formação do DOI-CODI. Muito bem construído e
com ótimas atuações, sobretudo, de Caio Blat, o filme expõe as feridas da
Ditadura e como a violência levava a transtornos psicológicos terríveis
naqueles que sofriam por lutarem pelo país.
Zuzu Angel (2006)
"Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho".
O
filme conta a história de Zuzu Angel, uma famosa estilista brasileira
reconhecida internacionalmente e totalmente alheia aos horrores da ditadura e
seu filho Stuart (Daniel de Oliveira) que se envolve com as forças contrárias à
ditadura. Com o envolvimento, Stuart é preso, torturado e morto pelos
militares, o que leva sua mãe a iniciar uma difícil batalha, enterrar o corpo
do próprio filho, ao mesmo tempo em que vai tomando consciência das atrocidades
cometidas e politizando-se contra o regime militar. O longa de Sergio Rezende
transmite a dualidade que existia entre aqueles que lutavam contra a ditadura e
os que viviam sem se importar com a barbárie do governo militar, demonstrando
que durante algum tempo a ditadura gozou do apoio popular. Além disso, a obra
mostra outro ponto importante da ditadura, o sofrimento das famílias que tinham
seus entes queridos torturados e mortos sem que pudessem nem mesmo ter o
direito de enterrá-los e chorar a sua dor.
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