O
desenvolvimento tecnológico e científico que se observou no fim do século,
consubstanciando-se no sempre desejado progresso, foi tamanho que muitos
chegaram a afirmar que havia chegado o fim da história. Paulatinamente a
modernização dos instrumentos técnicos, houve também o desenvolvimento do
processo de globalização e, consequentemente, do neoliberalismo. A revolução
tecno-informacional, que transformou o mundo em uma bola de gude, renovou as
expectativas libertárias que de tempos em tempos tratam de renovar. Entretanto,
a partir de 2008 o mundo imergiu em uma crise, o que nos leva a questionamentos
sobre um modelo que se propõe como perfeito e insuperável.
Globalização
pode ser definida como uma aproximação de mercados, sejam estes econômicos,
culturais e/ou comportamentais. Um processo que busca criar uma intersecção a
partir das diferenças, isto é, promover a difusão cultural em detrimento do
etnocentrismo. Dentro do prisma globalizante deve-se incluir necessariamente o
neoliberalismo, ou seja, a figura do Estado mínimo, que permite que a mão
invisível do mercado se autorregule. Analisando
os termos a partir do prisma conceitual, percebemos que eles se apresentam de
fato como estruturas positivas para o desenvolvimento sócio-econômico-cultural da
maior parte do mundo, já que estamos falando de globalização.
No
entanto, para que o cenário atual seja entendido com maior profundidade é
preciso que haja uma contextualização. Ao longo do processo histórico, a
aproximação dos mercados esteve ligada preponderantemente ao fator econômico,
em que de um lado busca-se a obtenção de matéria-prima e de outro mercado
consumir para as mercadorias produzidas a partir das matérias-primas “obtidas”
pelos novos mercados “descobertos”. Nesses processos de globalização predominaram
o etnocentrismo, já que as culturas vistas como inferiores não foram
respeitadas, tampouco, preservadas. Pior: foram dizimadas, restando aos que
sobraram se catequizar e se adequar ao padrão do homem branco inteligente e
desenvolvido.
Assim
se deu o processo do colonialismo, bem como do imperialismo europeu, o qual
dividiu a Ásia e, sobretudo, a África como se estivesse em uma pizzaria
desrespeitando limites étnicos e geográficos, pelas mesmas razões econômicas
supracitadas, mas fortalecidas pela ideia do “progresso” defendida
ferrenhamente pelo positivismo e pelo darwinismo social que pregava a ideia de
que existem pontos de maior e menor evolução na humanidade, cabendo, portanto,
aos europeus, o povo mais desenvolvido, levar o progresso e a cultura aos povos
atrasados, tribais e aculturados, o chamado “fardo do homem branco”.
Continuando,
chegamos à nova e atual fase da globalização que se inicia na década de
1960 quando há o desenvolvimento de uma nova lógica do capital, voltada agora
para o consumo, o que só foi possível, diga-se de passagem, pela força
midiática que passou a criar a máquina desejante pós-moderna. Com a introdução
de uma nova mentalidade e a inovação dos instrumentos técnicos, obviamente a
produção ganhou novos contornos, sendo necessário, como nos processos
globalizantes anteriores, a obtenção de novos mercados fornecedores de
matéria-prima e consumidores vorazes dos produtos maquinofaturados.
Nesse
cenário, a figura de Estados fortes atrapalha o livre mercado, de modo que se tornou
axioma para o desenvolvimento de uma nação a abertura dos seus portos às nações
“amigas”. Contudo, há um problema no que tange à questão do desenvolvimento,
uma vez que ao derrubar as fronteiras e, por conseguinte, diminuir o espaço
geográfico, não havia condições de paridade entre as nações interligadas,
levando ao maior fortalecimento das nações mais poderosas, bem como das grandes
corporações transnacionais, além da manutenção da divisão internacional do
trabalho que segregou ainda mais o sul subdesenvolvido ao fornecimento de
matéria-prima de forma direta ou indireta, por ações pacíficas dentro do
cenário econômico ou extensivo-imperialista.
O
que se observa, assim, é a busca dos países ricos e das grandes empresas, pertencentes a esses países, por “melhores” condições para os seus
empreendimentos, como matéria-prima de qualidade e barata, e mão-de-obra
abundante e de custo baixo ou em muitos casos em condições análogas à escrava.
Além disso, a modernização dos instrumentos de produção, consequentemente, leva
ao aumento da produção, que deve ser escoada para os mercados ao longo do
globo, dentro de uma lógica de massificação e padronização que marca a
sociedade de consumo.
O
Estado desnutrido tornou-se apenas um serventuário do sistema econômico,
possibilitando a fragmentação do território, a qual permite que haja uma eterna
catequização do terceiro mundo, posto que no processo globalizante o único
fator que é mundializado é o econômico e dentro de parâmetros que fortalecem a
desigualdade, a fim de que este adira aos dogmas do mundo civilizado, os quais
contemporaneamente se estruturam no fundamentalismo do consumo.
Essa
padronização que é imposta pela mídia, a qual faz a função que outrora
pertenceu aos jesuítas, é contrária ao pilar que erigiu a sociedade moderna, a
saber, a liberdade, como também à globalização em seu sentido conceitual. Essa
padronização, no melhor “american way of life” dos trópicos, acaba
permanentemente suplantando as culturas regionais, transformando o mundo do
sul, subdesenvolvido ou como se passou a falar com a globalização, “em
desenvolvimento”, em uma caricatura mal acabada da sociedade de consumo
individualista e egoísta do norte, com sérias punições àqueles que não seguem
rigidamente a sua cartilha.
Diante
disso, a globalização se reduziu, como já dito, ao fator econômico, em que os
instrumentos técnicos associados à política dos Estados mais poderosos e das
grandes empresas criaram condições perversas para a maior parte do planeta,
enquanto vendem através da mídia uma fábula de benesses oferecidas pelo
sistema. Esquecem, todavia, de deixar claro que para que uma parcela ínfima
goze dessas benesses, a grande maioria deve permanecer excluída e engaiolada,
já que por mais que as gaiolas hoje sejam enfeitadas, isso não retira o seu
caráter privador da liberdade. Assim como não torna a globalização inclusiva em
outros pontos, como na questão da cultura, uma vez que o discurso propagado
possui somente uma voz, que é repetida a exaustão para que se torne uma verdade
universal e inquestionável do admirável mundo novo.
Em
outras palavras, a globalização como se apresenta representa um modelo
excludente, intolerante e etnocêntrico formulado por um seleto grupo de pessoas
que dispõe de condições técnicas favoráveis à aplicação da sua agenda
política, aproveitando-se da sua força dentro do cenário geopolítico para criar
um globalitarismo que visa manter o status quo, agindo de forma perversa ao
mesmo tempo em que utiliza a mídia para vender a ideia de um mundo unido e
igualitário.
Nesse panorama, a lucidez se torna rara para que se enxergue, no
mínimo, as contradições de um modelo que tem como única meta a criação de um
Shopping Center universal, mas que permite que crianças morram diariamente de
fome ou afogadas no mediterrâneo enquanto fogem de guerras muitas vezes
mantidas direta ou indiretamente pelos estandartes do milagre chamado
globalização.
Detesto rótulos que a sociedade impõe.
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Bom dia, Erick!
ResponderExcluirDevo admitir que, diante da exposição desse cenário desolador, senti falta de uma alternativa.
Olá Renato! Há alternativas, pelo menos, eu acredito, embora não seja o dono da verdade. Estou meio que produzindo uma série de textos sobre o tema, então, em breve publicarei um texto relacionado às alternativas possíveis para o cenário retratado.
ExcluirAbraços!
Cara... Deveria ser leitura obrigatória para antropologia, sociologia, geopolítica, geoeconomia. Você expos de forma brilhante, translúcida, clara, exata o que eu jamais conseguiria nem em anos de aulas. Conseguiu montar um quebra-cabeças de conceitos que me deixou boquiaberto. Admirado.
ResponderExcluirNão é rasgação de seda não. Desta vez você se superou. É minha área, é minha paixão. Merece um prêmio.
Sei que sondaram alguns artigos seus para publicação. Dê-me notícias sobre suas publicações em revistas acadêmicas ou não. Eu vou pensar o que fazer com este artigo. Quando eu conseguir voltar às aulas de pós, sabe-se lá quando, irei usá-lo como referência. Te conto se acontecer.
Grande Mauro! Mesmo sendo brilhante consegue manter a humildade. Tenho aprendido muito contigo amigo e espero poder melhorar. É muito bom ser reconhecido por alguém com a sua lucidez e arcabouço teórico. Acredito que não meus textos, porque há trabalhos melhores, mas o tema sob essa perspectiva deveria ser melhor explorado em sala de aula, inclusive, na educação básica. Entretanto, sabemos como a educação é mercantilizada, de tal modo que qualquer crítica ao modus operandi do mercado torna-se um perigo a ser combatido. Espero que essa realidade mude algum dia. A esperança é saber que existem educadores como você. Será uma honra ter um texto meu trabalhado por uma mente como a sua.
ExcluirAbraços!
Qual seria sua solução? Erik
ResponderExcluirAmigo, acredito que existem alternativas, sou esperançoso apesar de tudo. Em breve estarei publicando um texto voltado por esse prisma da questão. No entanto, desde já, afirmo que o que venha a escrever jamais será a verdade última sobre o tema, haja vista a sua complexidade e a minha pequenez. Sendo assim, será uma observação de alguém curioso o bastante para fazer questionamentos, mais até do que buscar propriamente soluções.
ExcluirAbraços!
Poderia me exclarecer oq é status quo por gentileza ? agradecida !
ResponderExcluirSó aproveitando para agradecer pelos textos... Um abraço. ^^
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