Milton Santos certa
feita disse: “Vivemos num mundo
confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação?”. De fato, vivemos em um mundo confuso, uma vez que a realidade
apresentada não corresponde à realidade, o que, por conseguinte, leva a
formação de vários paradoxos inerentes aos nossos tempos, os quais ganham ainda
mais campo na medida em que se observam pessoas confusas, ou como prefere
Milton, “com os espíritos confusos”, tentando compreender tamanhas
complexidades.
O mundo contemporâneo
foi erigido, ou mais adequadamente ao real, anunciado sob o pilar da liberdade,
em que esta possibilitaria a construção de um mundo mais heterogêneo, no qual o
povo possuiria voz. O discurso da liberdade se consolida com a globalização e a
dita aproximação dos mercados. Entretanto, o que observamos é que o processo
globalizante tem tentando atenuar as diferenças entre as regiões, a fim de
criar uma homogeneização cultural capaz de estabelecer uma uniformidade a serviço dos
atores hegemônicos. Ou seja, busca-se uma massificação por meio do consumo,
para que a classe dominante, diga-se de passagem, uma parcela mínima do globo,
seja beneficiada, enquanto as diferenças não são respeitadas e as desigualdades
sociais aumentam.
Desse modo, a
liberdade, a qual é tida como princípio maior da sociedade moderna, foi e é
completamente tolhida para que haja uma padronização do comportamento que torne
mais fácil o controle do povo por parte dos tiranos em seu modelo de
globalitarismo. Milton considera dois elementos como imprescindíveis à formação
do modelo ditatorial que se instalou, a saber, a tirania do dinheiro e a
tirania da informação.
De um lado a tirania do
dinheiro transformou o mundo em uma grande linha de produção, em que todos
devem sempre produzir mais para que não sejam engolidos pela competitividade. O
indivíduo convertido no apêndice dos meios de produção e regido pelo relógio moral
da máquina, isto é, o “animal laborans” deve necessariamente estar condicionado
à competitividade, não o permitindo, portanto, se desvirtuar das regras do
jogo, já que isso significaria o consequente fracasso. Além disso, ao não estar
adequado ao sistema, o indivíduo não terá os meios necessários para gozar das
maravilhas oferecidas pelo capitalismo globalizado.
De outro lado, a
subserviência à tirania do dinheiro só se tornou possível em função da tirania
da informação, que possibilitou a difusão, para o mundo, de um sonho comum
através de um modelo único que possui como meta absoluta o consumo. Cria-se,
assim, uma fábula de inclusão e conexão, além, obviamente, de construir a
fantasia de um modelo de mundo que permite a felicidade da ampla maioria das
pessoas, como se todos estivessem com um tênis Nike, uma calça jeans e uma
camiseta Lacoste circulando de mãos dadas em um Shopping Center à procura de um
McDonald’s.
Esse mundo construído
pela mídia é o que Milton chama de globalização como fábula e que, consequentemente, permitiu a tirania do dinheiro por meio da transformação da
vida em uma grande linha de produção voltada para o consumo. Vale ressaltar que
a criação dessa base ideológica depende da repetição das ideias, a fim de que
estas sejam internalizadas como verdades, o que lembra Huxley no seu Admirável
Mundo Novo, ao dizer que - “Sessenta e
duas mil repetições criam uma verdade”. Em outras palavras:
“Este mundo globalizado, visto como fábula, erige como verdade um certo número de fantasias, cuja repetição, entretanto, acaba por se tornar uma base aparentemente sólida de sua interpretação.”
Sendo assim, há de se
considerar ainda nesse processo que a manipulação das informações por parte da
classe hegemônica constitui um fator perverso, dada a essencialidade das
informações na vida social, sobretudo, pelo fato destas antecederem uma parte
substancial das ações humanas, inclusive, o consumo. Posto isso:
“Não é de se estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa”.
Ou seja, o controle da
informação por um grupo seleto de pessoas interessadas em manter o “establishment”,
distorce a realidade, criando um mundo fantasioso, uma hiper-realidade criada a
partir dos elementos sígnicos oferecidos pela mídia, para lembrar Baudrillard
ou as verdades do “Partido”, que nesse caso não é só político, mas
político-empresarial, para lembrar Orwell, já que quem controla a informação acaba
por controlar a própria história.
Diante desse
globalitarismo, de uma vida padronizada, controlada, voltada para o consumo e,
consequentemente, do enriquecimento dos mais ricos e empobrecimento, cultural,
inclusive, dos mais pobres, não existem possibilidades, pelo menos “explícitas”,
de saída do indivíduo do modelo estabelecido, posto que a atual globalização:
“[...] aponta-nos para formas de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou permanecem escravos de uma lógica indispensável ao funcionamento do sistema com um todo”.
Assim, há uma supressão
quase que completa do conhecimento real do que é o mundo para. em lugar do
conhecimento, haver a adequação em escala global ao sistema ideológico, a fim
de que todos permaneçam na caverna contentando-se com meras sombras. O ser
humano nesse modelo de globalização se transforma em um número que faz parte de
estatísticas apresentadas no PowerPoint. Isto é, alguém a ser conquistado,
padronizado, homogeneizado, massificado, robotizado, ou melhor, transformado em
um zumbi consumista adequado a uma existência matematizada baseada em um
sistema de vigilância e punição para os inadequados, atrasados e impuros
necessitados da unção do mercado.
Embora existam
instrumentos técnicos capazes de proporcionar uma “Outra Globalização”, aliás,
como nunca houve na história, estes se transformaram em ferramentas políticas
para a aplicação de uma globalização perversa que se utiliza de informações
ideologizadas para criar um exército de pessoas iguais, preocupadas tão somente
em produzir e consumir, estando, desse modo, totalmente alienadas ao mundo de
fome, guerras e morte que as cerca. Um exército preocupado apenas em gozar do “paraíso” anunciado
na terra, ainda que, como no paraíso bíblico, não possam comer do fruto
proibido, sendo que no caso terreno, este representa a liberdade prometida em
um certo 14 de julho, a qual libertará os homens das vendas que os impedem de
enxergar as grades de dor, morte e perversidade que cercam o seu paraíso
global. Cabe aos homens lutarem por esse fruto.
Gostei do texto. Gostaria somente de destacar que enxergar a dor, em meu entendimento, não deve ser o mesmo que se afeiçoar a dor. Ela deve ser enxergada para ser superada e não para ser alimentada.
ResponderExcluirObrigado! Verdade!
ExcluirÉ! Tramp diz que vem perdendo com a globalização. As desigualdades sociais nos EUA aumentaram, classe média diminuiu... Será?para mim a globalizacão é uma falácia. O que existe na realidade,sao aldeias com costumes diferentes e deigualdades étnicas, entretanto, o que houve de positivo, realmente, foi o intercâmbio cultural.E os países pobres, em desenvolvimento estão sendo sucateados, muitos deles por pressão e outros por corrupção, travestido de privatização. Opinião pessoal, sem base em estudos realizados. Posso estar equivocada.
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